domingo, 26 de fevereiro de 2012

Absorvendo a Escuridão



Absorvendo a Escuridão
Rodrigo Moreira Campos (Led) - 02-06-2001

Perdi meus pais cedo em um acidente de ônibus quando tinha apenas 13 anos de idade. Como um garoto órfão e sem irmãos fui bastante solitário, cresci decidido a viver em busca de novidades, sem me prender a nada, viajando e conhecendo novos lugares. A miséria do mundo me deixara um vazio que deveria ser preenchido, e por isso não poderia eu deixar-me prender por nenhum sentimento.
Em uma dessas viagens fui parar em uma cidade pacata e muito misteriosa. Cidade que mudaria toda minha história.
Minha primeira visão foi noturna, a cidade parecia morta. A neblina baixa dava ao clima uma tonalidade sombria. O Cemitério era lindo, as imagens dos túmulos pareciam vivas com o efeito da neblina e de meus movimentos. Naquela noite descansei ali mesmo.
Ao amanhecer já havia decidido ficar ali, havia encontrado a cidade que exaltava minha curiosidade. Hospedei-me em uma pensão fascinante, arquitetura colonial feita de madeira, na frente um belo jardim forrado de folhas mortas e duas arvores que, devido a época do ano, se encontravam quase secas.
No quarto ao lado do meu vivia um jovem misterioso, deveria ter seus vinte anos. Muito belo, rosto delicado, pele macia, barba rala e fina como de alguém que pouco se preocupa com a aparência. Sua pele tão alva que parecia ali não ter mais vida. Olhos verdes bem claros e cabelos longos intensamente negros fazendo que alguns poucos fios brancos parecessem acesos meio aquela escuridão. De tão lisos eles lembravam uma planta morrendo com todas suas folhas murchas. Sempre se vestia com roupas escuras e um sobretudo que por mais calor que fizesse não o tirava. Sua energia era tão forte e triste que se tornava quase impossível o encarar.
Dificilmente ele saia durante o dia, preferia passeios noturnos. Seu nome ninguém sabia. Pouco se falava sobre ele, as pessoas o temiam.
Um dia, em uma de suas raras saídas diurnas, passeava pela praça central da cidade. Em um dos bancos da praça estava sentada uma moça, seu semblante muito triste, algo a fazia sofrer. Ela era linda, longos cabelos castanhos, lisos mais muito vivos, olhos grandes cor de mel e levemente puxados com um ar felino e tão brilhosos quanto duas grandes estrelas. Sua pele morena macia como ceda, seu rosto delicado como de um anjo com a sedução da mais linda mulher. Seu corpo escultural fazia-me pensar ser ela a mais bela garota a existir.
O jovem misterioso caminhou em direção a moça. Alcançando ela segurou em sua mão e a tocou-a no seio como se sugasse sua energia negativa. Uma lágrima soltou-se e deslizou como uma gota de cristal sobre a linda face da garota. Quando ele deixou de tocá-la o semblante dela mudara, ainda um pouco assustada, mas sem toda aquela tristeza.
Ele levantou-se e sem dizer nenhuma palavra saiu andando levando embora toda a sua tristeza.
Alguns dias depois conheci a garota, seu nome, Vivian. Ela agora se dedicava a tentar conhecer o jovem rapaz, mas seu esforço era inválido. Quando o procurava nunca o encontrava e quando o avistava sempre o perdia misteriosamente. Chamá-lo era inútil, ele a ignorava como se não tivesse nenhum dos sentidos.
Passado um mês e meio eu e Vivian ficamos muito próximos, em comum tínhamos a vontade de conhecer o mistério daquele jovem, mas nada conseguimos.
Estava, eu, cheio de dúvidas. Confuso. Sentia-me preso àquilo. Tudo era novo e envolvia muito sentimento. Mas de novo o vazio tomava conta de mim. Minha decisão tardou mas não podia ser diferente, eu precisava ir embora.
No caminho para a rodoviária encontrei quem eu não queria, Vivian, nela se concentrava todo o meu desejo de ficar. Contei-lhe sobre minha decisão e ela me abraçou suavemente. Senti toda a leveza de seu corpo, desejava que aquele momento não acabasse nunca ou que eu pudesse morrer ali em seus braços sentindo o mais doce aroma à existir. Derramei sobre seus ombros as minhas mais sinceras lágrimas. Eu a amei como jamais amarei ninguém. Ela seguiu outro caminho e prometeu me encontrar na rodoviária antes que meu ônibus partisse.
Chegando à rodoviária sentei-me a espera de meu ônibus, tentava conter minhas lágrimas. Pensei em me matar, mas logo procurei desviar meus pensamentos. Retirei de minha mochila uma garrafa de vinho, do doce vinho que tantas vezes me consolara. Enquanto bebia avistei aquele jovem pela ultima vez. Ele vinha em minha direção como se soubesse o que se passava em minha cabeça. Eu já saboreava a doce embriaguez do vinho, mas naquele momento entendia tudo. Ele continuou a se aproximar, senti toda sua triste energia, era tudo tão forte. Meu corpo se estremeceu, comecei a chorar. Ele me encarava com aquele olhar tão vago e morto que jamais esquecerei, tocou-me no peito e o senti sugando toda minha energia, me sentia cada vez mais fraco, desmaiei.
Acordei já no ônibus com os lábios de Vivian tocando os meus. Seu hálito tão doce e perfumado que me lembrava um jardim com as mais lindas flores. Sentia-me leve, não tinha mais aquela angustia que há pouco me atormentava. Vivian disse já ter me encontrado no ônibus, pediu meu endereço e prometeu me escrever.
Passados uns três meses recebi uma carta de Vivian, nela me disse que o jovem rapaz havia cortados os pulsos. Não foi encontrado nenhum parente, apenas mais quatro pessoas que diziam terem sido ajudadas por ele, mas jamais ninguém ouviu sua voz. Com ajuda dos quatro Viviam organizou o velório e foram eles os únicos presentes em seu enterro.

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